Friday, November 05, 2010

O Canto do Poeta: Manuel Bandeira - parte 1


Conforme o prometido, estou aqui nesta sexta chuvosa para falar desse incrível escritor que foi Manuel Bandeira. Nascido em 1886 no Recife, descobre antes dos 20 anos que tem tuberculose, doença que o acompanha durante a vida toda forçando-o a mudar-se para cidades mais propícias à sua sensível saúde.

Apesar de não ter participado da Semana de Arte Moderna, seu poema "Os Sapos" é lido durante o evento, o que o traz a São Paulo e o aproxima de grandes nomes como Paulo Prado, Couto de Barros, Tácito de Almeida, Menotti del Picchia, Luís Aranha, Rubens Borba de Morais, Yan de Almeida Prado.

Dentre os temas mais marcantes em suas obras temos a visão política e social, a inocência da infância, a morte sempre presente e o erotismo...

Nesse mês nos deliciaremos com diversos exemplos desses temas, começando hoje com o poema citado a cima "Os Sapos" e o poema "Pneumotórax" feito diante da constatação da tuberculose.

OS SAPOS
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


PNEUMOTÓRAX

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo
e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.




1 comment:

Marinho said...

um brinde a este poeta.
Somos todos sapos, mas que sapos somos? aqueles que coacham rouco e sem som ou sapos safados que pulam de brejo em brejo caçando lua, caçando sonhos? Vai? Não vou Vai....
sapos de varios estilos, de varias canções....
Mas no fundo, sapos que amam a vida e quem mostrar ao mundo como é possivel ser um sapo feliz...
E suspenda o tango argentino...